sábado, 10 de abril de 2010

A Cidade Faminta

Escrever por obrigação sempre foi uma das coisas que mais incomodavam um jornalista de um pequeno jornal da cidade. Realmente, se incomodava com aquilo. Eram notícias que tinha que criar, e das que existiam verdadeiramente, muitas vezes tinha que, devido os seus ferozes editores, dar um toque sensacionalista à notícia. Mais uma manhã aparentemente comum e, ele sai para trabalhar como de costume. No caminho observa os pardais que tomam banho de areia de uma casa em construção. Pensa rapidamente no reino animal e das infâmias que muitos atribuem a esses animaizinhos que são taxados de ladrões de ninhos. De repente, cortando seu singelo raciocínio, num curtíssimo espaço de tempo, a cidade balança como num terremoto movendo o coletivo e os carros que passavam, alguns inclusive bateram provocando um grande engavetamento. Logo pensa que isso dará uma boa notícia, pois muitas pessoas a estão vivendo, mas estranhamente, ao invés de todos correrem para salvar suas vidas, e comprarem o próximo jornal, que seria um impulso natural, as pessoas correm famintas para o livro que portava o nosso humilde jornalista, e não somente o dele, mas todo e qualquer tipo de impresso que estivesse mais próximo. Completamente confuso, o homem não segue a vontade geral e sai com muita dificuldade do coletivo, pois quem conseguia hipnoticamente algum impresso perdia a noção de seu entorno. Era até engraçado ver um indivíduo correndo em direção a uma folha de jornal velha que o vento empurrava na direção de um automóvel pegando fogo. Correndo para salvar sua vida e sua matéria realmente verdadeira, ele observa que na realidade as pessoas não corriam na direção dos impressos para se informar, mas para comê-los. Uma repugnância tomou conta do jornalista e ele pensou por alguns instantes em delírio, mas definitivamente as pessoas estavam comendo jornais, livros, cartazes, e teve um inclusive que até se pendurou num out-door na ânsia de tirar um bom naco. Apavorado com a fome repentina de seus concidadãos, esconde embaixo da jaqueta um livro novo de poesia que tinha comprado há poucos dias na livraria que estava sendo tomada pelos famintos lunáticos, e enfim corre de volta para casa a fim de escrever na íntegra o que ocorria na cidade, e o que a cidade comia. Era um problema de saúde pública e apesar de ter tentado, inúmeras vezes no caminho de casa, coagir as pessoas para os males de tal alimentação, nem o escutavam deliciando-se com a incomum refeição. Chegando em casa, como um facho de luz, seu estômago ronca e impulsivamente ele puxa da jaqueta uma deliciosa poesia...

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